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missionaria rita delfinoA IGREJA NO ILUMINISMO, A ILUSTRAÇÃO E A TEOLOGIA NO SÉCULO XVIII


As experiências feitas na guerra de emancipação contra a Espanha fizeram da Holanda chão propício para a gestação do primeiro sistema filosófico moderno. Foi na Holanda que aportaram os intelectuais refugiados de toda a Europa, fazendo dela a primeira pátria da Ilustração. Ali, o francês René Descartes (1596-1650), discípulo de jesuítas, colocou a dúvida radical como princípio do conhecimento e auto-conhecimento: Cogito, ergo sum (Penso, logo sou, existo como pessoa e como ser humano; sou capaz de refletir sobre minha origem, meu presente e meu futuro; não necessito que a Teologia, doutrinas cristãs, a Igreja, expliquem o que sou de alguma maneira: eu penso sobre mim…). A Filosofia deixava de ser “serva da Teologia” para se tornar uma ciência autônoma, fundamentada em observações empíricas e em princípios racionais.

A Teologia, tida como “rainha do conhecimento, das ciências”, é destronada fragorosamente pela nova forma de pensar o Homem, o Mundo, o Universo. Personagens com Nicolau Copérnico (1473 – 1543), Giordano Bruno (1548-1600) , Galileu Galilei (1564-1642), João Kepler (1571-1630), já conquistam a Teologia, a Filosofia, a Matemática e a Astronomia. O Renascimento alterara a visão de tudo, pelas artes, pelo retorno aos clássicos da antiguidade greco-romana. O Humanismo Filosófico redescobre o valor do humano, da cultura do homem. O Humanismo pode, com razão, definir-se pela palavra: o homem potenciado e celebrado, exaltado até à divindade, livre de si mesmo, dominador da natureza, senhor do mundo. É, logo, uma “paganização” ainda mais radical que a antiga helenização, porquanto espiritual e interior. É dar uma documentação formal desse caráter pagão e helênico, interessado no mundo visível e sua cultura. O Humanismo e da Renascença não é coisa fácil de definir-se, pois trata-se de um período inicial de renovação do homem e do mundo, em que se entrelaçam motivos multíplices. O velho humanismo das escolas filosóficas, desde Sócrates, Platão e Aristóteles, persiste ao lado do novo, dando origem àquela duplicidade especulativa e prática, tão característica dos homens da época. A Reforma Protestante não poderia acontecer noutra época. A Teologia de Calvino, por exemplo, é profundamente influenciada por sua formação humanista. Agora, o pensamento da Igreja, a religião cristã vai ser golpeada com a Modernidade. E parece que ainda não se recuperou, quando já se fala de Hipermodernidade e de Pós-Modernidade.

Na Inglaterra, as discussões teológicas e confessionais levaram a que se pensasse que a razão fosse mais importante do que disputas religiosas. Daí resultou o “deísmo” com proposições que buscaram um fundamento sólido para a religião, de modo que qualquer pessoa a pudesse aceitar e a partir dela viver. A proposta era simples: 1. Existe um Deus; 2. Deus deve ser servido; 3. tal serviço acontece por meio de virtude e piedade e não através do rito; 4. deve-se deixar o erro de lado e fazer o bem; 5. deve-se esperar recompensa divina aqui e no além. Ela também podia resumir-se a algumas palavras: 1. Deus; 2. liberdade moral; 3. imortalidade. Ou, com John Locke (1632-1704), podia-se afirmar que o cristianismo se baseia em tolerância, virtude e moralidade.

Não se olhava mais para o passado com seus modelos clássicos, mas para o futuro da humanidade. O ser humano seria capaz de tudo, bastaria investir na Educação (chave de leitura para se entender Rousseau, Voltaire). Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) expressou-o para os alemães em seu livro “A Educação da Raça Humana”, o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) no “Émile” ou “Tratado sobre Educação”, e o igualmente suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) o fez no seu “Como Gertrudes Ensina seus Filhos”. O que Francke, o teólogo pastor, iniciara em Halle teve continuidade nos centros de formação de professores.

A Ilustração funcionou como eco e acentuação de muitas das ênfases pietistas: orientação para o futuro, cristianismo não-dogmático, centralidade da experiência humana, leitura histórica da Bíblia. O momento histórico consagra a Modernidade, portanto, a superação do feudalismo e da vassalagem, apontando, pela primeira vez, conceitos de cidadania. A burguesia é o resultado dessa superação. Mas houve também outros fatores históricos fundamentais para o surgimento da Ilustração. As cidades mercantis, enriquecidas, passaram a ter consciência de sua importância e passaram a se valer de critérios racionais e não-religiosos em sua economia. O acento na experiência prática possibilitou o avanço da ciência e da tecnologia e do uso racional dos recursos da natureza. A reflexão pragmática e racional também se fez presente na análise de sociedade, política, direito e nas constituições dos países. Daí, afirmar que um convertido é alguém que tem uma experiência pessoal com Deus, só falta um passo.

1. TEOLOGIA E LEITURA NÃO RELIGIOSA DA BÍBLIA. Quando os teólogos aplicaram os princípios deístas a seus sermões, estes passaram a ser meros discursos morais: “A pessoa virtuosa se levanta cedo; por isso, as mulheres foram cedo ao sepulcro de Jesus na manhã da Páscoa. Levantemo-nos cedo, sejamos virtuosos!”. Na tentativa de harmonizar razão e revelação, os deístas reduziram o cristianismo ao que consideravam ser nele o essencial. Houve um reducionismo que, contudo, julgavam necessário em razão da crescente diversidade e pluralidade do cristão. Para eles, as verdades da fé jamais podem se opor à razão. Foi, por isso, que leram criticamente a Bíblia, vendo nela uma fonte para o estudo da história e da moralidade da Antigüidade. A Bíblia deixava de ser vista como testemunho a respeito da revelação na história. Submetidos ao crivo da razão, “milagres”, “ressurreição”, Santa Trindade, foram inacessíveis para elas, leitoras racionais e, em decorrência, considerados relatos sem autenticidade. A busca das provas torna-se obsessiva.

2. DAVID HUME e os pensadores Iluministas. A crítica mais contundente à religião, mas também à glorificação da razão, foi feita por David Hume (1711-1776). Em seus escritos, atacou os argumentos dos deístas que buscavam comprovar que o cristianismo era racional. Se para os deístas a fé cristã era racional em função dos milagres, da harmonia da natureza e do estado comum natural da humanidade, Hume fez uma crítica radical a essa argumentação. Milagre e harmonia da natureza se excluem. Além do mais, não há evidência na histórica para o “senso comum” da humanidade. Milagres são contrários à experiência humana. Além disso, a experiência humana é de que há falsos testemunhos a respeito de milagres.
Para Hume, o conhecimento vem da experiência empírica (Empirismo). As verdades metafísicas e teológicas não são lógicas nem derivadas, nem passíveis de teste na experiência empírica. Também o argumento do senso comum não é aceitável: os deuses primitivos nada mais são do que uma crassa revelação antropomórfica; sua atuação cheia de falsidades e truques e sua falsa moral nada refletem de senso comum.

A crítica derradeira à religião, feita por Hume, foi fatal: “a religião só desvia a atenção do ser humano do que realmente acontece na vida. Sua preocupação com salvação é estreita e egoísta. Só leva a debates e provoca rancores e perseguições” (protestantismo versus catolicismo; inquisição, consistórios, massacres de divergentes). A religião não tem qualquer base ou fundamento. Ela se baseia na fé, e fé nada é. Pensam os ilustrados iluministas. Que fé? Fé na própria religião, em símbolos, em escritos sem autenticidade comprovada, de testemunho duvidoso de pregadores sobre suas experiências místicas pessoais, experiências corporativas de terceiros, narrativas sacralizadas, mas sem fundamento empírico.

François-Marie Voltaire (1694-1778) foi um dos pioneiros na luta pela liberdade de opinião, por tolerância e por direitos humanos. Na França, onde a Igreja esteve profundamente ligada ao antigo regime, monarquias absolutistas, foi profunda a inimizade entre religião e ilustrados. Valeu-se, Voltaire, de conceitos dos deístas ingleses para atacar a Igreja Católica Romana. Mas a igreja protestante não escapava da mesma crítica. O contexto é de políticas monárquicas e absolutismo político. Em poesia, Voltaire blasfemou contra a padroeira e santa nacional, Joana D’Arc. Rejeitou a teodicéia política (Deus está presente no rei…). Durante quase três anos, viveu na corte de Frederico II o Grande, da Prússia. Para Voltaire, Deus é um pressuposto importante para a preservação da moral, dos bons costumes e ajuda a prevenir a anarquia. Foi, por isso, que escreveu: “Se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo”. Com essa frase voltava-se contra a nova geração de pensadores franceses, que negava a exis-tência de Deus.

Denis Diderot (1713-1784) e Jean d’Alembert (1717-1783) editaram, no século XVIII, 35 volumes da Encyclopaedia, obra maior do Racionalismo francês. Na Encyclopaedia está presente todo o fascínio relativo ao progresso das ciências naturais: o progresso das ciências naturais e o crescente controle sobre a natureza trarão, no futuro, a eliminação das desigualdades entre as nações, a igualdade dos povos e a perfeição da humanidade. Esse otimismo se expressa em duas obras de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Segundo ele, a pessoa é boa ao nascer, mas a sociedade, a cultura, o Estado e a religião a pervertem. No Contrato Social, apresentou, por isso, um ideal: o Estado, baseado na ordem natural de uma demo-cracia, a cujo serviço está a religião civil. No Émile, apresentou o ideal de uma educação elementar racional de acordo com a natureza.

3. ILUMINISMO NA ALEMANHA

Ilustração, ou Iluminismo alemão, tem que ser obrigatoriamente tratada à parte da Ilustração no restante da Europa. Na Alemanha, a relação entre revelação e razão não está prenhe de tensões e de oposições como no restante da Europa. Antes podemos falar aqui de uma relação de complementariedade. Pode-se também dizer que a Ilustração alemã não teve aquela animosidade crítica em relação à Igreja, que podemos encontrar em outras regiões. Há razões históricas e teológicas para a peculiaridade. Na base das razões históricas está a Guerra dos Trinta Anos. Essa guerra impediu o desenvolvimento dos territórios alemães, se comparado ao do restante da Europa. A divisão política, cultural e religiosa da região fez com que a Ilustração alemã se desenvolvesse, basicamente, em territórios protestantes, em suas universidades e nas cortes. Quase todos os principais representantes da Ilustração alemã, em conseqüência, são professores universitários e grupos dirigentes do Absolutismo monárquico esclarecido. Além disso, Pietismo e Ilustração surgiram quase que simultaneamente nos territ6rios alemães. Os ataques do Pietismo à Ortodoxia prepararam o caminho para as sugestões práticas de reforma que seriam feitas pela Ilustração.

LEIBNITZ

Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) é um exemplo para o que vínhamos dizendo. Ele buscou comprovar a compatibilidade entre fé e razão, entre razão e revelação, entre filosofia e teologia, entre corpo e alma. Estes pares devem ser vistos em harmoniosa conexão. Para que haja esta harmonia é, porém, necessário que se distinga entre verdades eternas e verdades atuais. Das primeiras verdades fazem parte a geometria, a sabedoria, a bondade e o poder de Deus. Nelas não há contradição entre revelação e razão, pois para a razão, conhecimento, inteligência, essas verdades são conceitualmente necessárias. Mesmo que, dessa maneira, a revelação seja subordinada à razão e a teologia à filosofia, há uma ordem maior que pode irromper através das leis da natureza.

Leibniz também se aventurou no campo da teodicéia, que trata de justificar Deus face ao mal que há no mundo, buscando tornar a questão da teodicéia plausível através da tese de que este nosso mundo é “o melhor de todos os mundos possíveis”. O mal está baseado no fato de o ser finito ser restrito. Contudo, a razão reconhece o bem e o divino como estruturas essenciais do mundo. Vemos, nessas formulações, que Leibniz tem uma visão otimista do mundo: “pecado é apenas o bem imperfeito”. Teólogos que acompanharam a reflexão de Leibniz buscaram apresentar um cristianismo não-dogmático, mas ético. O teólogo vai preocupar-se com o agir humano, a ética, enquanto recusa simplesmente a existência de Deus, e seu agir espiritualmente autoritário alcançado nas doutrinas e nos dogmas. Aqueles que atuavam no ministério da pregação buscavam apresentar uma interpretação sócio-ética do cristianismo, familiarizados com o pensamento de Leibnitz. Jesus passou a ser o grande mestre da sabedoria e da virtude, um precursor da Ilustração que quebrou as cadeias do erro. “Cuide-se do erro, não do pecado!”. Reagia ao excesso religioso que acentua sobremaneira o pecado, enquanto abandona a força do perdão, da reconciliação, que brotam da Graça.

Mas a Ilustração alemã não ficou só nisso. Houve também colocações críticas em relação à Igreja. A principal delas veio de Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781), que publicou os Fragmentos Anônimos, também conhecidos como Fragmentos de Wolfenbiittel. Esses Fragmentos são da autoria de Samuel Reimarus (1694-1768), partidário do deísmo inglês e leitor crítico da Bíblia. Em seus textos, Reimarus faz observações críticas a respeito da autoria dos escritos bíblicos, aponta para contradições existentes nos evangelhos e levanta a tese de uma origem fraudulenta do cristianismo. Esse teria sua origem em uma grande fraude dos discípulos. Quando falira o messianismo político de Jesus, os discípulos fabricaram a ressurreição para sobreviver a seu desapontamento e para serem aceitos pelo mundo. Quando publicou os Fragmentos, Lessing pensou que estava desencadeando uma discussão construtiva acerca da “essência do cristianismo”. Feurbach retomou o tema, décadas depois. E com ele Harnack. O que aconteceu, imediatamente, foram ataques sem fim contra Lessing. Em seu decurso, a Ortodoxia foi ridicularizada nesse acento crítico. O doutrinarismo conservador digladiava-se com o Liberalismo teológico que se instalava. Doutrinas tradicionais da razão ortodoxa são pulverizadas, nos argumentos metafísicos que lhes eram (e são) caros.

Em contrapartida, a Teologia teve que desenvolver um método histórico-crítico de leitura dos textos bíblicos, depois eficazmente aplicado a todos os textos históricos. Herança dos ilustrados iluministas, em busca do conhecimento. Em dois escritos, o próprio Lessing nos dá conta de sua própria posição. Trata-se de “A Educação da Raça Humana”, de 1780, e “Natã, o Sábio”, de 1779. Segundo Lessing, os testemunhos históricos acerca da revelação não produzem certeza e garantias. As religiões históricas são estágios do divino processo de educação, cujo bem, para exercer moralidade, não se necessita de Igreja. A fé eclesiástica não acompanha a razão pura.

IMMANUEL KANT

Ao limitar o cristianismo à moralidade, Kant pôs fim aos princípios básicos da Reforma do século XVI: somente Cristo, somente a fé, somente a graça, somente a Escritura. Se para os reformadores as boas obras brotam da graça, Kant começa com as boas obras. Todos os temas teológicos são lidos a partir delas: Jesus Cristo não é um redentor, mas um arquétipo moral de vida divina, que deve ser imitado pelas pessoas. Deus não desce ao ser humano; o ser humano deve subir em direção a Deus. O ser humano é autônomo, e essa autonomia é destruída por aquilo que na fé cristã se denomina de graça. Se Deus perdoa, a humanidade não é livre.

Kant aliou-se a Pelágio (cf. embate sobre Graça e Obras com Agostinho no V século), a Erasmo e a Armínio (cf. Arminianismo e Tiago Armínio, um ministro da Igreja Reformada na Holanda, calvinista que viveu de 1560 a 1609. Tornou Professor de Teologia na Universidade de Leyden, em 1603. Foi particularmente durante o período de sua atividade como professor em Leyden que ele deu expressão aos rompimentos com a Fé Reformada, segundo o Protestantismo original do século XVI, os quais desde então têm sido associados ao seu nome. Os pontos da Fé Reformada que os arminianos insistiam em negar versavam sobre a “predestinação incondicional”, “expiação limitada”, “depravação total”, “graça irresistível” e a “perseverança dos santos”. Arminianos negavam essa ordem. Armínio morreu em 1609, mas deixou discípulos que continuaram a ensinar e desenvolver suas doutrinas).

Kant não conseguiu resolver um problema: o que fazer com o “mal radical”? Em sua radicalidade, o Mal é irracional. O que fazer nesse caso com a sola ratio, a razão pura? O próprio Kant complica sua visão otimista do ser humano ao não resolver o problema do “mal radical”. Mas, deixa uma herança definitiva para a história do pensamento quando nega princípios cartesianos (René Descartes) como absolutos. Questiona a “dúvida metódica”, e empirismo através de sua obra “Crítica da Razão Pura”. Na terceira parte de sua Crítica, na dialética transcendental, Kant se interroga sobre o valor do conhecimento metafísico. As análises precedentes, ao fundamentar solidamente o conhecimento, limitam o seu alcance. O que é fundamentado é o conhecimento científico, que se limita a por em ordem, graças às categorias, os materiais que lhe são fornecidos pela intuição sensível. Crítica os dois modos de representação (o modo “sensível” e o “intelectual”), assim como a restrição que daí deriva, relativamente aos conceitos puros do entendimento racional e, por conseguinte, aos princípios decorrentes desses conceitos.

Kant contesta a tradicional metafísica, teológica, neo-escolástica. Ele é luterano. Contrariando a afirmação de que todo conhecimento deriva da natureza, Kant rompeu com a raiz da tradicional enquanto afirma que todo conhecimento subjetivo é transcendente em relação à natureza. Por isso, e por ser o ser humano constituído de transcendência, não pode ater-se aos conceitos tradicionais, as idéias que sustentam a metafísica sobre Deus, Liberdade e Imortalidade. Caem, assim, as tradicionais “provas da existência de Deus”. Provas ontológicas (da origem do ser), cosmológicas (da origem do universo), e teleológicas (ciência das finalidades, interpretação não mecanicista do universo – quando se afirmava que o universo funcionava como um mecanismo bem lubrificado, naturalmente, e sem quaisquer interferências).

Todavia, como é suficiente que, do ponto de vista da moral, a liberdade não seja contraditória e que, conseqüentemente, ela possa ser concebida, e como, desde que não se coloque como obstáculo ao mecanismo natural da própria ação (tomados num outro sentido), não há necessidade de se lhe ter um conhecimento mais amplo, a moral pode manter sua posição enquanto a física conserva a sua. Ora, é o que não teríamos descoberto se a crítica não nos houvesse previamente instruído sobre nossa inevitável ignorância relativamente às coisas em si e se ela não houvesse limitado aos simples fenômenos todo nosso conhecimento teórico.

A teologia seguirá os rastro de Kant. Conhecimento e vontade são inseparáveis. E Schileiermacher contruirá sua teologia crítica da religião com esses conceitos distribuídos à exaustão. Sentimento! O segundo movimento do Pietismo encontrará um forte apoio no pensamento de Kant. A revolução de Kant se sustenta na consciência, na razão, memórias internas para se encontrar a definição da religião. A razão prática é a mesma prática da moral. A moral é do “Dever”. Tudo é Dever: “devo fazer, a consciência obriga”. “Conhecendo o que devo fazer, o Dever, posso tudo”.

O RIGORISMO DE KANT
(Fundamento da Metafísica dos Costumes – Extratos)

“Conservar a própria vida é um Dever e, além disso, é uma coisa para a qual todos possuem uma inclinação imediata. Ora, é por isso que a solicitude, freqüentemente inquieta, com que a maior parte dos homens se dedica a isso, não é menos desprovida de todo valor intrínseco e é por isso que sua máxima não possui nenhum valor moral. É certo que eles conservam sua vida de acordo com o Dever, mas não por Dever. Em compensação, quando contrariedades ou uma aflição sem esperança tenha roubado de um homem todo gosto de viver e se o infeliz, com ânimo forte, fica muito mais indignado com sua sorte do que desencorajado ou abatido, se deseja a morte e, no entanto, conserva a vida sem amá-la, não por inclinação ou temor, mas por Dever, então sua máxima possui um valor moral.

Ser bom, quando se pode, é um Dever e, ademais, existem certas almas tão capacitadas para a simpatia que, mesmo sem qualquer motivo de vaidade ou de interesse, elas experimentam uma satisfação íntima em irradiar alegria em torno de si e vivem o contentamento de outrem, na medida em que ele é obra sua. Mas eu acho que no caso de uma ação desse tipo, por mais de acordo com o Dever e mais amável que seja, não possui porém verdadeiro valor moral, já que ela se coloca no mesmo plano de outras inclinações, a ambição, por exemplo, que, quando coincide com o que realmente está de acordo com o interesse público e o Dever, com o que, por conseguinte, é honorável, merece louvor e encorajamento, mas não respeito, pois falta a essa máxima o valor moral, isto é, o fato de que essas ações sejam feitas não por inclinação, mas por Dever.

ESFORÇOS PARA HARMONIZAR RAZÃO E REVELAÇÃO NO ILUMINISMO

Para religião não tem qualquer base ou fundamento. É necessário harmonizar Razão e Revelação. Ela se baseia na fé, e fé nada é. Para Voltaire, como nos referimos anteriormente, Deus é um pressuposto importante para a preservação da moral, dos bons costumes e ajuda a prevenir a anarquia. Foi, por isso, que escreveu: “Se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo”. Com essa frase voltava-se contra a nova geração de pensadores franceses, que negava a existência de Deus. Para os que pensam como Voltaire, Deus é como um pára-choques, ou pára-raios, para a sociedade ou a humanidade.

Mas também se atribui a este filósofo ditos como: “Se é verdade que o homem é imagem e semelhança de Deus, é verdadeiro, também, que o homem faz de Deus sua imagem e semelhança”. Aqui, encontram-se severas críticas à religião e sua suposição de dominar a Revelação. E os europeus só consideravam duas religiões, nesse ponto, receptoras da revelação de Deus. Judaísmo e Cristianismo. Outras críticas brotavam no Iluminismo: religião é símbolo de superstição, de idolatrias de objetos sacralizados, relíquias religiosas; religião é sinônimo de conformismo e alienação, loucura, afastamento da realidade; de fatalismo, e concepções sobre a inevitabilidade do Mal e tolerância prejudicial ao homem, da parte do mesmo. Trata-se de aceitação ideológica do destino social, político, econômico, de um povo, de uma cultura de dominação. Uma crítica às desigualdades. A religião pretende salvar o homem. Por que não se pergunta: salvar o homem do quê? Salvar de quê? Salvar para quê? O sentido soteriológico perde-se em abstrações e espiritualizações do Mal e do Bem, alcançado por esta crítica.

A crítica derradeira da religião apontará que, de fato, Deus nada tem a ver com a religião. Esta alimenta o quietismo e o conformismo que conserva as escravidões humanas. Num ambiente em que se declarava a religião como freio para as paixões humanas, e em que se anunciava a obrigação de se reconhecer “um Deus que está na natureza do Universo”, nas estrelas, no espaço sideral, na Terra e no próprio homem, ser criado por Deus à sua imagem. Os pensadores iluministas questionavam a “harmonia da natureza”, pregada pela Ortodoxia e o deísmo, onde se anuncia a presença de Deus. Que harmonia tem o ser Absoluto, Deus, com fenômenos natuarias, como tempestades, trovões, inundações, tornados, furacões, maremotos, nevascas, tempestades de granizo, desertos, seca, mares inóspitos, florestas espinhosas, doenças endêmicas, pragas agrícolas, peste, lepra, doenças letais, forças destrutivas da natureza do mundo e na natureza do homem? O deísmo e a Ortodoxia não explicam os fenômenos naturais, a não ser pela metafísica.

A religião natural, que subjuga o conhecimento e o saber científico em dogmas e doutrinas, muda de posição. De mestra passa a discípula. O Iluminismo reage à religião, por causa dos dogmas e do doutrinarismo ortodoxo protestante ou católico. Também o protestantismo retornara à escolástica racionalista e metafísica. Crer na existência de Deus, provar a existência de Deus, não é bastante para a salvação da humanidade. Schleiermacher abraça Kant. O segundo movimento do Pietismo encontrará um forte apoio no pensamento de Kant. A revolução de Kant se sustenta na consciência, na razão, memórias internas para se encontrar a definição da religião a ser substituída pelo Sentimento. A razão prática é a prática da moral. A moral do “Dever”. Tudo é Dever: “devo fazer, a consciência e os sentimentos cristãos obrigam-me”. “Sentido conscientemente o Dever de fazer, posso tudo”. Como diria Paulo: “Tudo posso…”. Mas Paulo não falava de Sentimento de Deus, nem se referia ao Dever imperativo.

Derval Dasilio



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